Por que construir mais uma estrutura de transportes no Rio de Janeiro não é uma boa ideia

Rio de Janeiro YIMBY
5 min readOct 27, 2021

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Recentemente, o governo do Estado anunciou a expansão do metrô do Rio de Janeiro para o município de Nova Iguaçu. Segundo o governador Cláudio Castro (PSC), a ideia é usar o trecho da via férrea de carga que corta parte dos municípios da baixada fluminense, transportando — teoricamente — 340 mil usuários por dia, com as obras começando já em 2022[1]. No entanto, essa pode não ser a melhor escolha para a expansão da rede metroviária. Elencamos abaixo quatro razões para isso:

1) Antes de expandir, o Estado precisa finalizar as obras em curso

Apesar do anúncio da nova linha, o metrô do Rio de Janeiro possui hoje três estações com obras paradas: Gávea, Carioca 2 e Morro de São João. Com exceção da estação Morro de São João, próxima ao Shopping Rio Sul em Botafogo, todas as obras paradas são de estações terminais, com grande importância para aumento da capacidade do sistema. No caso da estação Carioca, inacabada há 42 anos, esse seria o ponto final da Linha 2, cujo projeto original prevê ainda mais duas estações: Cruz Vermelha e Praça XV. Atualmente, a linha 2 chega até a Carioca pelos trilhos da linha 1, o que causa interferência operacional e corta a capacidade das duas linhas pela metade[2]. Para chegar até a estação Carioca, que já está escavada e com as plataformas prontas, seriam necessários apenas mais 3,7km de túneis, consideravelmente menos que os 23km de linhas propostos pelo governo do estado, e com um benefício bem maior.
Já a estação Gávea passa por uma situação pior: precisou ser completamente submersa por apresentar risco de desabamento. A estação também é essencial para o sistema por um motivo: sem ela, não será possível fechar o anel da Linha 1, ligando Gávea à Tijuca. Essa expansão é importante para aumentar a capacidade operacional da Linha 1, possibilitando o deslocamento Centro-Zona Sul em ambos os sentidos, o que beneficiará diretamente os passageiros de toda a rede.

2) A rede atual precisa de investimentos

O traçado proposto pelo Governo do Estado passa bem próximo a duas linhas existentes da Supervia: os ramais Belford Roxo e Japeri. Como se sabe, os trens urbanos do Rio de Janeiro tem constantes problemas com violência urbana[3], superlotação, déficits financeiros e os impactos decorrentes da pandemia de COVID-19, que derrubou a demanda pela metade [4]. Tendo isso em conta, cabe perguntar: é válido construir uma nova linha de transporte de massa, quando as atuais passam por um processo de sucateamento que precisa ser revertido? E ainda pior: por que construir uma nova linha de transporte de massa em uma região tão próxima a outras linhas de transporte, que atualmente estão subutilizadas? Dessa maneira, não faz sentido, do ponto de vista da demanda, expandir uma linha de metrô paralela a dois ramais subutilizados, como também, do ponto de vista econômico, não faz sentido se construir uma nova linha enquanto seria muito mais barato reformar as atuais.

Falando em subutilização, hoje, apesar da superlotação, os trens do Rio operam com em torno da metade da máxima histórica (aproximadamente1 milhão de passageiros por dia, nos anos 1980)[5]. Olhando para o nível de serviço da Supervia, não é difícil de se diagnosticar por quê. Mesmo com a compra de novos trens e melhorias na sinalização recentes, a companhia ainda enfrenta severos problemas na operação, como a existência de passagens em nível, que diminuem a segurança e regularidade das composições, parte da frota em idade avançada, e falta de manutenção de trens e estações. Com a Copa e Olimpíadas, a modernização de estações e sinalização ficou restrita a alguns ramais e estações, com a maioria do sistema permanecendo no mesmo padrão de sempre.

3) A região contemplada nunca esteve nos planos de expansão do metrô

É inegável que toda a região metropolitana precisa de transporte rápido, de qualidade e acessível. No entanto, a crença de que o metrô é o único transporte que atenda a esses requisitos é falaciosa. Pelo seu custo e complexidade de obra, o metrô é melhor aproveitado em aplicações específicas, que envolvam alta densidade demográfica e alta demanda[6]. Além disso, por ser parador, o metrô pode não atender adequadamente a demanda de lugares mais remotos da região metropolitana, como é o caso dos municípios contemplados. Para maiores distâncias e altas demandas, uma das melhores opções é o trem suburbano, que coincidentemente, atende à região por meio de dois ramais, que podem transportar bem mais do que transportam atualmente.

É por isso que o traçado proposto pelo Governo do Estado nunca apareceu, em 40 anos, nos planos de expansão do metrô. O projeto original envolvia 6 linhas, sendo a linha 1 Centro-Zona Sul, Linha 2 Zona Norte-Centro, Linha 3 Leste Fluminense, Linha 4 Zona Oeste-Zona sul, Linha 5 Ilha do Governador, Linha 6 Zona Oeste-Zona Norte. Este é o traçado prioritário, que contempla as regiões com maior necessidade de transporte metroviário que têm sido estudadas há, pelo menos, 40 anos.

Imagem: projeto de expansão do metrô do Rio em 1986. Fonte: Blog Metrô do Rio (não oficial)

4) Onde estão os estudos de demanda?

Por fim, mas não menos importante, esta é a principal pergunta que deve ser feita ao se construir um projeto da magnitude de uma linha de metrô. Por ser um projeto de alta complexidade, custo, e tempo de execução da obra, passando por vários governos diferentes, uma nova linha de metrô precisa estar inserida em um projeto de longo prazo, que defina uma rede de transportes, traçados prioritários e população atendida.

Sem nenhuma dúvida, apenas um mandato não é o suficiente para se planejar, licitar, construir e operar uma linha metroviária. São necessários anos, às vezes décadas, de estudos de demanda, diálogos com a sociedade civil, e obras públicas que garantam uma rede metroviária que atenda à demanda da população a um custo eficiente.

Lamentavelmente, o Rio de Janeiro tem um histórico em deixar as evidências de lado, e permitir com que decisões de políticos influenciem as políticas públicas de transporte, como se pode ver na construção da linha 1A do metrô, obras de estações inacabadas e colapso iminente nos trens urbanos. Uma nova linha, sem estudo de demanda, projeto prévio, junto a uma série de obras inacabadas e promessas que não se tornaram realidade dificilmente tende a melhorar essa situação.

Referências

[1] https://viatrolebus.com.br/2021/10/governador-do-rio-promete-obras-do-metro-ate-nova-iguacu-em-2022/

[2] http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/11/fotos-mostram-plataforma-fantasma-do-metro-feita-em-1979-e-nunca-aberta.html

[3] https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/10/20/levantamento-da-supervia-mostra-que-24-tiroteios-ja-interromperam-a-circulacao-de-trens-esse-ano.ghtml

[4] https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/supervia-anuncia-reducao-de-trens-e-passageiros-reclamam-de-lotacao-05112020

[5] https://viatrolebus.com.br/2020/07/mesmo-com-a-modernizacao-na-supervia-rio-nunca-mais-teve-1-milhao-de-passageiros-em-trens/

[6] https://ppiaf.org/documents/5532/download

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