O amadurecimento do transporte carioca
Por Arthur Sarmento e Andrey Barbosa
O transporte do Rio de Janeiro está passando por uma transformação. No momento, existem três licitações em diferentes estados de andamento, com algo muito importante em comum: visam compartimentalizar os sistemas que regulam, mostrando uma nova direção e novo interesse do Poder Público em como o processo é conduzido, além de como será a gestão e remuneração do transporte público da capital.
Em comum, ambas as atividades eram antes controlados por uma mesma entidade, cujos interesses eram frequentemente questionados pela sociedade. Todos os envolvidos no sistema — incluso a Prefeitura — tiveram falhas em algum momento, desencadeando o colapso no BRT, alimentado pelo modelo de remuneração insuficiente para manter um sistema desse porte.
Visto esses problemas estruturais, o prefeito Eduardo Paes, que idealizou e inaugurou o BRT, tomou as rédeas e municipalizou a rede de corredores através de uma intervenção, que visa recuperar e em seguida relicitar o sistema. Essa licitação consiste em um formato testado e aprovado internacionalmente, separando custos de capital (aquisição dos veículos) de custos de operação, com 5 lotes com custo total de aproximadamente R$1bi para 4 operadores, que ficarão baseados cada um na sua respectiva garagem pública. As empresas contratadas vão operar os ônibus e inspecioná-los, garantido assim a qualidade da frota, já que um dos dispositivos legais da prefeitura e do operador é o não pagamento dos quilômetros rodados ao locador caso o ônibus não passe na inspeção técnica.
Experiências internacionais mostram sucesso na separação entre compra de frota e operação
O modelo que separa provimento da operação da frota é promissor, e trouxe resultados interessantes nos lugares em que foi implementado. Santiago do Chile, uma das cidades pioneiras na América Latina a implementar este sistema de gestão de contratos, hoje é líder em eletrificação da frota no mundo, contando com mais de 200 ônibus em operação [1]. Além disso, outra grande vantagem dessa abordagem é trazer confiabilidade ao sistema, evitando com que o fechamento de uma das empresas operadores, que infelizmente é algo comum no Rio de Janeiro [2], ponha em risco a operação.
Mudanças na bilhetagem e modelo de remuneração
Falando de remuneração, a prefeitura pretende modernizar e expandir os métodos de pagamento de toda a bilhetagem municipal e abolir pagamentos em dinheiro, pretendendo também fazer integração com o metrô, trens e com o BikeRio, aplicativo de bicicletas compartilhadas. Essa licitação promete trazer mais transparência e inteligência ao sistema, passando os dados de embarque, desembarque e carregamento das linhas diretamente para o Poder Público, que pretende fazer uma maior fiscalização da gestão das linhas e demandas dos passageiros. O modelo de remuneração também contou com uma reforma de meia vida, com a Prefeitura desfazendo a decisão de remuneração por passageiro e instituindo a remuneração por rodagem, que beneficia o passageiro e empresas operadoras, diminuindo a superlotação e oferecendo mais veículos nas ruas, com mais agilidade e menos espera na hora de pegar o ônibus.
O modelo antigo, de remuneração por passageiro, favorece problemas já conhecidos como superlotação de veículos, além da redução da oferta em trechos menos rentáveis. Na Zona Oeste, região que enfrenta intensa concorrência das vans e possui distâncias notavelmente maiores que a média, é muito comum de empresas operadoras inativarem linhas por conta própria [3]. Com o novo modelo, espera-se que haja uma melhora na oferta e na lotação dos coletivos.
Problemas no meio do caminho
Apesar das propostas muito bem formuladas pela prefeitura, ocorreram problemas em alguns dos certames, como no caso da licitação da bilhetagem, que na primeira abertura de envelopes não teve interessados. Nesse caso, é importante o diálogo com os diferentes atores privados que possam a se interessar pelo certame, de forma a se fazer ajustes na modelagem do contrato e atrair interessados.
Conclusão
Conforme falamos no último artigo, problemas urbanos são complexos e requerem soluções bem planejadas e focalizadas para a sua solução. Em relação ao transporte público, mudanças no modelo de contratação, separando custos de capital da operação, assim como no modelo de remuneração, garantindo que operadores sejam pagos por uma cesta de indicadores que envolva quilometragem rodada e indicadores de qualidade, tem potencial de garantir ganhos substanciais na qualidade e confiabilidade do sistema, conforme mostram as experiências internacionais. Ainda que hajam desafios, considerando o contexto de crise econômica e sanitário, é animador que a Prefeitura do Rio esteja planejando este tipo de mudança para o transporte carioca.
Referências
[1] https://wribrasil.org.br/pt/blog/2019/01/como-santiago-se-tornou-lider-global-em-onibus-eletricos
[2] https://exame.com/bussola/no-rio-setor-de-onibus-tenta-sobreviver-em-meio-a-falencias-e-desemprego/