Como Mesquita, na Baixada Fluminense, está acabando com uma fronteira urbana
Jane Jacobs descrevia, em Morte e Vida das Grandes Cidades, as fronteiras urbanas, que promoviam um efeito de degradação nos bairros lindeiros. Conforme descrito pela autora, qualquer empreendimento ou estrutura de uso único e acesso limitado poderia gerar esse efeito, relegando bairros inteiros à decadência e problemas de segurança pública.
Apesar disso, existem bons exemplos de como amenizar esse efeito colateral, com equipamentos públicos que tragam de volta os olhos da rua e vida para um lugar que outrora estava abandonado. A ideia central por trás dessas intervenções é fazer com que pedestres passem e fiquem naquele espaço, contribuindo para a vitalidade urbana.
No Rio de Janeiro, a cidade de Mesquita, na Baixada Fluminense, tem feito um trabalho interessante, construindo um parque linear paralelo à via ferroviária, uma das fronteiras urbanas mais extensas do subúrbio carioca. Nos 3,7km de via férrea que atravessam o município, foram feitas diversas intervenções para trazer opções de esportes e lazer para a população. Vejamos algumas delas:
Equipamentos de academia e lazer
No trecho compreendido entre as estações de Mesquita e Edson Passos, há uma série de equipamentos públicos como quadras de futebol, playgrounds e academias comunitárias. Em uma região como a Baixada Fluminense, marcada pela falta de opções de esporte e lazer para a população, a instalação desse tipo de infraestrutura pode gerar uma alta demanda pelo seu uso, como foi o caso de Mesquita. Não é raro ver a região lotada em vários momentos do dia, trazendo movimento e segurança para o local.
Ciclovia e pista de cooper
Além de equipamentos de esporte, a região também conta com uma ciclovia/pista de cooper de aproximadamente 1,5km, que é uma boa alternativa, além de esporte, para deslocamento interno da região. Apesar disso, por conta da sua popularidade entre os moradores, frequentemente a pista está engarrafada, necessitando de ampliação.
Arte de rua
A arte de rua é um elemento em comum ao longo de toda a extensão do muro que divide Mesquita em dois lados, criando um ambiente mais gentil e acolhedor para se fazer uma caminhada e praticar esportes. Diferente de outras regiões cortadas pela supervia, em que além dos muros da via férrea dividirem bairros inteiros, também contribuem para a degradação do ambiente urbano.
Ciclovia da Avenida Getúlio de Moura
A mais recente intervenção foi a construção da ciclovia no canteiro da Avenida Getúlio de Moura, nos 1,5km entre a divisa com o município de Nova Iguaçu até o viaduto Carlos Alberto de Oliveira (Dicró). A via está localizada no canteiro central da avenida, com quatro acessos feitos através de faixa de pedestres.
Apesar do bom pavimento, em concreto, a via ainda não possui sinalização horizontal e vertical, além de terminar no meio do nada, a poucos metros da ciclovia da Avenida Baronesa de Mesquita, sem sinalização ou travessia segura para pedestres. Além disso, termina na descida de um viaduto com um cruzamento, comprometendo a segurança de pedestres, ciclistas e motoristas:
Durante a sua extensão, a ciclovia também passa por 5 interseções com automóveis (sem contar os acessos nas pontas, comprometendo novamente a segurança e causando risco de colisões). As travessias, que são em nível da pista para automóveis, poderiam ser elevadas para aumentar a segurança dos pedestres e ciclistas que usam a ciclovia, como há algumas travessias desse gênero na vizinha Nova Iguaçu. Questiona-se também a necessidade de haver 5 retornos ao longo da via, quando é sabido que conversões à esquerda estão entre os pontos com maior potencial para se gerar acidentes.
Conclusão
Como se pode ver, as intervenções em Mesquita-RJ usaram de arte de rua e equipamentos de esporte e lazer para trazer vitalidade a uma região que outrora era marcada pela degradação urbana. São ações simples e com custo relativamente baixo que podem fazer uma grande diferença em entornos de rodovias, vias férreas e demais locais que venham a se tornar fronteiras urbanas. O esporte e lazer são excelentes opções para se trazer de volta a vitalidade urbana de uma região com problemas de degradação.
No entanto, é importante ressaltar que a estrutura para transporte, não necessariamente lazer, por caminhada ou bicicleta, precisa melhorar. Além da pista de cooper não suportar a demanda intensa de uso em alguns horários, a ciclovia da avenida Getúlio de Moura tem problemas de sinalização horizontal e vertical, assim como acessos inseguros para pedestres e ciclistas. Algumas medidas, como a instalação de radares de velocidade (ou um semáforo) na descida do viaduto, bem como travessias a nível do pedestre nos retornos e conversões à esquerda, podem fazer uma grande diferença nesse trajeto.
Vale ressaltar que a avenida Getúlio de Moura é uma importante ligação entre os municípios de Mesquita e Nova Iguaçu, e que uma boa política de transportes ativos pode trazer uma alternativa para os deslocamentos entre Mesquita, Nilópolis e Nova Iguaçu, que somam milhares de pessoas todos os dias.
Para tanto, além de fornecer acesso seguro à estrutura construída, também é importante conectar a rede de ciclovias, permitindo com que a população possa chegar aos seus destinos de forma rápida e segura. Nesse sentido, também é importante que a vizinha Nova Iguaçu complete o trajeto: no trecho competente ao município, nem sequer há ciclovia ou ciclofaixa entre a Avenida Getúlio de Moura e o centro, além de ter calçadas de qualidade muito ruim.
Investir na caminhada e bicicleta como formas de transporte tem um grande potencial em diminuir os efeitos negativos das fronteiras urbanas, considerando que pedestres e ciclistas são ótimos exemplos de olhos da rua. Ciclovias seguras, bem sinalizadas, e com acesso conveniente podem fazer com que haja movimento em grande parte do dia, aliando estas intervenções com equipamentos urbanos que façam as pessoas gostarem de estar na rua. Como vimos, caminhabilidade, esporte e lazer são grandes ferramentas para se produzir uma cidade mais convidativa ao pedestre.